Saturday, July 18, 2009

Intelectual de bairro

Quando a pessoa pensa que já tem uma razoável colecção de cromos e que já quase pode enviar o cupão para a Panini a pedir os 30 últimos, eis que surge um cromo raro.

Trata-se de um gajo pançudo, em tronco nu, num churrasco, que fala de Popper, Heisenberg e Espinoza. Um sujeito bem falante que disserta sobre Heidegger, Bertalanffy e Bohr enquanto destrói um pedaço de entrecosto e rebenta com uma fatia de entremeada. E quando chega a altura de acompanhar com a mini eis que dispara: “Já leste «O que é a vida» de Schrödinger?” O que é que uma pessoa faz perante isto? Há perguntas que nos paralisam como um dardo de curare. Bem, o que vale é que o visado desta interpelação não fui eu, foi um amigo meu, que parecia visivelmente perturbado com a pergunta. Não pela pergunta em si, mas por todo um contexto capaz de rebentar com qualquer caixa dos fusíveis numa só descarga. Nesse dia caíram-me vários mitos e preconceitos da intelectualidade. Um verdadeiro recorde pessoal. Afinal era possível discutir Popper, a isenção da ciência e a observação dedutiva com gordura a escorrer das beiças.

Contudo, fiquei um pouco desiludido, porque o sujeito revelou-se apenas um gordo repositório de teorias da conspiração. Nunca vi tanta teoria da conspiração por milissegundo. Impressionante. Aquilo parecia o contador da electricidade com os aquecimentos domésticos no máximo. Era uma atrás da outra. Queres uma teoria da conspiração sobre a introdução do chouriço no caldo verde? Ou porque a pasta de sardinha se chama Manná? Arranja-se. Não sei como é que alguém consegue sair à rua com um tal grau de paranóia. Ou sequer espreitar com os olhitos de fora dos lençóis. Mas ele parecia todo contente a derreter picanha e salsicha. E quando o meu amigo, sentindo-se obrigado a responder à pergunta schrödingeriana, sob pena de lhe ser arrancada a cabeça à dentada, teve a admirável coragem de confessar que por acaso até tinha lido e não concordava muito com as teorias do tal senhor – e assim que o faz tem imediatamente de se encolher, porque não se larga uma bomba destas a escassos centímetros de um tiranossauro sem esperar resposta – eis que o monstro, quando se esperava que lhe fosse abrir o crânio para raspar o cérebro e delamber os dedos, responde simplesmente: “Mas não é uma questão de concordar ou não. Não é uma questão de concordar ou não. O que interessa é a mensagem!”, diz o bicho mastodonticamente arregalado; de tal maneira, que o meu amigo até sentiu uma rajada de vento a trespassá-lo. Uma tirada cliché destas não se apanha todos os dias, mas eu ouvi-a, meus amigos, isso já ninguém me tira. Já vou para a campa de barriga cheia. De facto, há mensagens que não se discutem. Esperemos que ele não pense o mesmo do Mein Kampf.

Mas quando um gajo do churrasco em tronco nu fala a este nível, já estamos perante um passo evolutivo da humanidade.