Sunday, August 24, 2008

Dicas para a igreja

O problema da igreja é que não se documenta, não faz estudos de mercado. Por isso não sabe como cativar o seu público-alvo. Mas eu vou dar uma ajuda com o meu caso pessoal, vou dar-lhes um pouco de feedback.

Começo por dizer que dos momentos mais felizes que recordo da infância era quando não tinha de ir à missa. Isso é que era festa. Parecia que me tinham dado um gelado de seis bolas. Eu que em miúdo tinha a consciência crítica de um pepino-do-mar, em relação à missa sempre tive a opinião solidamente formada que era uma hora de vida que me roubavam.

Posso adiantar também que fiz todo o percurso católico. (se exceptuarmos o Crisma, o último passo para a santidade). E o que é que me aconteceu? Sou ateu.

E acho que não teve propriamente a ver com qualquer tipo de questionamento interior, mas acima de tudo porque:

A missa é chata. Se aquilo não fosse tão chato, eu acho que ainda dava uma hipótese ao Deus. Agora assim é difícil.

Mas vamos por tópicos:

- A homília é uma seca. E demorada. Devia ser no máximo 5 minutos, senão é masturbação de padre.

- Aquela parte da hóstia é gira. Podia era ser um brigadeiro ou uma queijadinha de sintra de vez em quando, para desenjoar. Deus também está nos bolos. E aposto que não ficava ninguém sentadinho no banco sem comungar.

- O epílogo a seguir ao ‘ide em paz’ é uma crueldade. Quando a pessoa pensa que pode ir finalmente ver televisão, ainda tem de gramar com a prelecção do padre a pedir guita para as obras da igreja. Foi assim que percebi o significado da palavra anticlímax.

- Nunca usar aqueles coros de velhas a morrer, é proibitivo. Não é preciso pôr a dona elvira a cantar gospel ou a dona irene à guitarra eléctrica, mas por amor de Deus, percebam que eu várias vezes deixei de sentir o pulso a meio do “Eu sou o pão vivo”.

- E será que não dá para tornar o Credo mais curto? Ainda me lembro do que sofri para saber aquela porcaria de cor. Mas disse a mim mesmo que não ia desistir. E consegui. Aos 19 anos, é certo, mas consegui. Saber o Credo de cor devia valer pelo menos 10 voltas de joelhos ao Santuário de Fátima.

- E aquela coisa de repetir todos os santos existentes à face da Terra na cerimónia pascal é outra seca. Quinze intermináveis minutos de: “s. pedro” “rogai por nós” “s. bernardo” “rogai por nós” “s. bento” “rogai por nós” “sta. quitéria”, etc. até à náusea. Apetece deixar lá um gravador a repetir “rogai por nós” de dois em dois segundos e ir num instante às Finanças. Além disso, parece que estão a fazer a chamada, só que os alunos acham-se tão importantes que nem se dão ao trabalho de responder e temos de ser nós a balir uma porcaria qualquer. Por uma vez na vida podia ser assim:

- S. paulo.

- Presente – ouvia-se do Céu.

- Sta. Maria. (silêncio) Sta. Maria! (silêncio) Tem falta. (padre aponta falta) S. João Evangelista.

- Tá doente, sr. padre, tem papeira – ouvia-se do Céu.

- Tem falta. (padre aponta falta) Ele que traga o atestado médico na próxima missa e logo conversamos. S. bernardo. – ouve-se latido celestial.

E por aí fora.

Por agora são estas as sugestões que tenho. Acho que não é pedir nada de mais.

Nota introdutória

Como qualquer blog que se preze, este também tem uma nota introdutória, em que se explica um pouco a ideia que está na base do blog.

E o que eu gostava de explicar é o seguinte:
este blog rege-se pela hora de fakaofo, um atol nas ilhas do pacífico.
mas o mais importante, é perceber que as coordenadas orientadoras deste blog são 9°20′S, 171°15′W e que o atol pertence às ilhas tokelau.

E porquê uma nota introdutória no 14º post? porque é muito mais fixe.

O cúmulo da representação

Cheguei à firme conclusão que o cúmulo da representação não é no palco ou em frente às câmaras. O cúmulo da representação é quando estamos no trabalho a tentar fingir que não ouvimos a conversa do lado.

Especialmente quando a nossa cabeça está mesmo a meio do campo de visão das duas pessoas que conversam e temos de a afastar ligeiramente para trás, para não impedir que elas se vejam, mantendo ao mesmo tempo o ar credível de quem está tão imerso no trabalho que não ouve um pingo de conversa.

E esta manobra é ainda mais complicada quando as duas pessoas em questão são nossos superiores hierárquicos, mantêm uma relação amorosa semi-clandestina entre si e o nosso emprego está em risco ao mínimo deslize de mau procedimento social. Isto sim meus amigos, é o fio da navalha.

Perder o controlo e olhar um pouco de soslaio em sinal que se está a ouvir a conversa ou dizer qualquer coisa como, “eu por acaso não concordo, acho que o melhor é irem em carros separados e depois voltam só num” ou “por que é que não discutem isso quando estiverem os dois a sós? Na cama, por exemplo. É que há aqui pessoas a tentar trabalhar”, pode ser muito, mas muito melindroso.

Se quiserem fazer um teste final aos alunos do conservatório de teatro, não os ponham a fazer Shakespeare, ponham-nos num local de trabalho entre a patroa e o namorado, perante frases como “o que é que achas, vamos no teu carro?” ou “vais lá ter a casa?”, e aí vão perceber quem tem estofo para conquistar uma estrela no passeio da fama.


Coisas que preocupam


Perante um assalto à mão armada ou uma catástrofe nuclear, o que é que um homem faz? Acima de tudo, concentra-se no topo das suas prioridades, que é nunca passar por paneleiro.

Por mais desesperante e catastrófico que seja o cenário, o importante para o homem é saber manter a lucidez de dizer: “a mim ninguém me toma por panasca”. Isto com as bombas a caírem-lhe ao lado e as balas a rasparem-lhe o crânio.

É por isso que uma das principais preocupações do homem no mais profundo do seu ser (também conhecido por âmago ou pila) é:

“será que posso traçar a perna sem ser gay?”

É de facto uma questão complicada. Vários cientistas procuraram uma resposta para este flagelo psíquico ao longo de séculos, mas até hoje nada. Nem uma pista.

Mas como eu não sou cientista, estou perfeitamente apto a responder. E posso adiantar desde já que a masculinidade que não traça a perna se divide geralmente em dois grupos:

- Há os que acham que os testículos vão explodir e ficam muito espantados quando lhes dizemos que isso não acontece “o quê, não explodem?”, tão espantados que até parece que lhes acabámos de dizer que a irmã engravidou de um porco ou assim uma coisa.

- E há os que se convencem que não conseguem. “eh pá, como é que consegues fazer isso? Eu já tentei, mas não consigo” “é simples, pá, queres ver, ora segue lá o movimento: traças a perna e pronto, já está.” “pois pá, mas eu não consigo.” e acompanham esta frase com um sorriso mal disfarçado e um ar de sentida compaixão pelos nossos minúsculos testículos. Perante isto, dá vontade de responder, “eu até acredito que tenhas os tomates dum charolês, mas sabes, vou-te contar um segredo, eles ajeitam-se.”

Se o problema é que a pose não é a mais viril deste mundo, tudo bem, agora que é possível traçar a perna é, amiguitos, é uma questão de entrega e determinação. Yes you can.

Alerta importante


O Instituto Nacional de Emergência Médica alerta:

Se estiver atrasado(a) para algum compromisso e o seu organismo lhe pregar uma partida mesmo ao sair de casa, não entre em pânico, aplique esta técnica na retrete e retome rapidamente a sua rotina.

Colunistas

De vez em quando era mais prático que os colunistas tivessem os telefones uns dos outros. Porque escusávamos de participar do “reply to all”, que por vezes redunda em quezílias absurdas. Por que é que não puxam do telefone e resolvem as merdas de uma vez em privado? Devia haver uma lista telefónica só de colunistas e que fosse distribuída apenas entre eles. “Ora aqui tem: Lista da Região de Lisboa, Páginas Amarelas, Colunistas” “Estava a ver que não. Veja lá que tive de escrever um artigo de dupla página num jornal a enxovalhar o Sousa Tavares porque não tinha o novo número dele.” “desculpe lá, sr. Vasco, mas isto este ano atrasou-se um bocado por causa que coiso.” “Pois, mas não pode ser." "pois não." "Para o ano vejam lá se não coiso.” "pois é."

Música para um bom amigo

É favor carregar no título para ouvir.

Saturday, August 23, 2008

Perfil simplista de um filha da puta

O filha da puta é frio, cerebral, egocêntrico, mentiroso compulsivo, lambe-botas, emocionalmente infantil. O filha da puta baseia toda a sua carreira na assertividade. Assertividade, meio palmo de testa e zero ideias, é tudo o que basta para o cabrão do filha da puta vingar na vida. E ele medra como gafanhotos em dia de praga. E é tão assertivo, mas tão assertivo, que na boca dele até os pontos finais parecem pontos de exclamação. E o que é mais incrível é que consegue enganar muita gente. Mas mesmo muita.

Se ele disser “tu precisas é de comer merda para emagrecer”, há muita gente que se vai pôr a comer grossas tranches de merda, porque ele é extremamente convincente. E fala muito bem.

O filha da puta espezinha tudo à sua frente. É um bulldozer social. Um psicopata socialmente integrado. O filha da puta tem dois motes na vida: 1) nunca admitir que mentiu, nem que para isso tenha de negar a mentira de dez em dez segundos até ao dia da sua morte e 2) em caso de dúvida, negar sempre que disse o que acabou de dizer “eu não disse isso”, “mas tá aqui gravado, queres ouvir” (ouve-se frase no gravador) “eu não disse isso” “mas tá aqui gravado. queres ouvir, vou rebobinar” (ouve-se novamente frase no gravador) “mas como é que pode ‘tar aí gravado se eu não disse isso?”

Muitos filhas da puta acabam na política (peço desculpa por este cliché da política, mas estou convencido que é verdade), reino da assertividade e lambe-botice, o que é uma pena para os não filhas da puta. Mas quem é que manda aos não filhas da puta serem tão pouco filhas da puta? Enfim, todos temos o nosso lugar na cadeia animal.

Sim, há que reconhecer utilidade ao filha da puta. E há que dar mérito, porque afinal ele extrai o máximo das suas potencialidades e ainda se supera um bom bocado. Por isso, tudo o que eu lhe posso dizer é:
morre filha da puta!


- vim a descobrir que o Alberto Pimenta já tinha escrito um livro inteiramente dedicado aos filhos da puta “Discurso sobre o filho da puta”. que entretanto li e que aconselho, porque é um livro didáctico (não, não estou a gozar) e uma análise muito mais profunda e bem feita que a minha. Por isso, reconheço a minha falta de originalidade no tema. Mas apesar de tudo há uma grande diferença entre as nossas abordagens, ele fala dos filhos da puta, e eu dos filhas da puta. Acho que tá tudo dito.

Palhaço rico

Nunca fui daqueles com medo, terror, pânico de palhaços. Nada disso. Irritava-me era o cabrão do palhaço rico. Só pensava “mas o que é que está ali a fazer aquele palhaço”. Piada fácil, eu sei. Mas a frase que me vinha à cabeça era literalmente esta. E se não era, não interessa, sabia lá eu ordenar frases aos 5 anos.

“Não diz piadas. Só humilha o outro. Não ajuda à festa. Que seca de gajo.” Tudo isto eu pensava.

Estava sempre na esperança que ele dissesse uma piada. Uma que fosse. Que me fizesse rir pelo menos uma vez na vida. Nada. Nunca aquele cabrão fez nada de jeito. Acho que foi por isso que desisti de ver palhaços. E por outro lado era isso que me prendia a eles. A curiosidade de perceber se o cabrão do Rico ia dizer qualquer coisa de jeito na vida. Mas não. E acho que vi chens e cardinalis que cheguem para chegar a esta conclusão. Vi demasiados, bem vistas as coisas.

Mais tarde, quando já tinha mais uns dedos de testa, e me apercebi que o rico era só um contraponto do pobre, não veio remediar grande coisa. Se é palhaço é palhaço. Há que assumir o que se é. Não é para armar em intelectualóide.

Presunçoso. Palhaço de merda. Detesto o palhaço rico.

A linha

Só mesmo num sítio armado aos cágados como a linha do Estoril é que um café banal junto à estação de comboios, pequeno e xunguito, no seu toldo branco e foleiro igual a tantos outros, em vez de dizer café snack-bar, diz steak house. Santa paciência.

Famílias


As famílias são como pequenos países. Têm uma cultura e uma maneira de funcionar muito próprias. Às vezes até têm familiarismos, que são palavras que só se usam dentro daquela família. Uma espécie de dialecto próprio.

Por exemplo:

Que eu saiba, para a maior parte dos mortais, a expressão “camisa jacaré” não significa grande coisa. Significa apenas um grande ponto de interrogação no cérebro ou, quando muito, poderá ser uma camisa Lacoste. Mas para uma certa família que conheço significa “camisa curta”. Porquê? Que sentido é que faz? Não sei. Não me perguntem. Há coisas que é melhor não saber.

E não contentes com isso, ainda têm outra expressão para roupa curta, que é “fugir à policia” (ex: essa camisola está a fugir à polícia). Que pelos vistos é uma expressão que se usa, mas que eu nunca tinha ouvido na vida. Fugir à polícia? Que tipo de metáfora é que se quer estabelecer aqui? Devem ter achado a do jacaré pouco rebuscada e então passaram a usar esta. Há quem faça provérbios e há quem se especialize em expressões rebuscadas para roupa curta.

E como estes exemplos há outros, é um nunca mais acabar de familiarismos. Só que às vezes, mais do que estas expressões, é todo o funcionamento de uma família que nos parece estranho. E o que é giro, é que mesmo assim, funciona. E aquilo que parecem comportamentos neuróticos e disfuncionais, se nalguns casos se pode usar acertadamente a terminologia clínica ‘este pessoal não bate bem dos cornos’, em muitos outros casos são apenas formas alternativas de atingir uma boa harmonia familiar.

É por isso que entrar numa família é um pouco como ir para fora cá dentro. A pessoa tem de ter consciência que está a entrar noutro universo, a pisar solo lunar e há que ir com calma, antes de começar a botar sentenças. Estas pessoas entendem-se assim. Deixá-las.

Parvoiçada com patos

Apeteceu-me.

Donos de pastelaria

Ele tem cerca de 40 anos e é saudosista, conservador. Não ouve cá a música de agora. Só ouve músicos e grupos antigos, como Alice Cooper, Motorhead, Def Lepard, Iron Maiden, Aerosmith, Led Zeppelin. Só ouve hard rock e metal.

Mundo interessante este em que os saudosistas já não são os que gostam de Salazar, Amália Rodrigues e Vasco Santana, mas de Alice Cooper, Iron Maiden e Megadeth.

Era interessante ver este gajo como deputado de um partido conservador, como o PP. Um metaleiro ao lado de Nuno Melo e Pires de Lima no Parlamento, todo vestido de preto com a sua t-shirt do anticristo, a pedir mais apoio do Estado ao trabalho social da Igreja.

Já a dona da pastelaria, e respectiva cônjuge, é um pouco mais nova do que ele, mas não lhe fica atrás. Diz coisas como “já nem os animais são como antigamente” perante uma notícia do telejornal sobre uma ursa polar que rejeitou a cria, num zoo qualquer. E dispara numa sincera exclamação “ah grande avô cantigas”, quando se ouve na tv que o fantasminha brincalhão está nos tops de vendas, como quem diz ‘a old school é que é’. Como se não bastasse, cereja em cima do bolo, esta nova espécie de saudosistas usa expressões como “modernices”. Diz um senhor que tá lá ao balcão “pois, agora as lojas do centro comercial mudaram, são outras”, ao que ela responde “modernices”.

Estava habituado a velhos do restelos, velhos, como o nome indica. Mas estes querem começar cedo. Nisso são inovadores. Têm 40 anos e uma filha bebé, mas falam de há 20 anos como se estivessem a falar dum tempo pré-histórico, dum tempo em que “naquele tempo é que era...nos anos 80”.

E para isto bastou-me ir duas vezes ao café. Imaginem se fosse mais. Aliás, acho que só posso arriscar mais uma ou duas idas. Tenho medo do contágio. As mesmas coisas ouvidas repetidas vezes podem produzir os seus efeitos.



PS: Uma coisa que nada tem a ver com o resto do texto, mas que acho que é digna de registo, é que nesta pastelaria nunca há bolos. Já me aconteceu passar por lá para lanchar, mas desisto. Porquê? Porque nunca há bolos. Se há são dois ou três, com ar de estar ali vai para 15 dias. Mai nada. Não sei por que é que se deram ao trabalho de chamar pastelaria àquilo. Podiam ter optado por “café” ou “snack-bar”, já que aquilo serve refeições e funciona mais como restaurante e tasca. Ainda por cima, ironia das ironias, chama-se “Docélia”. Esta gente é a Família Adams das pastelarias.

Thursday, August 21, 2008

Correio da Manhã

Não sei se é da silly season se do que é, mas o que me parece é que durante esta altura do ano o jornalismo português por inteiro se transforma no correio da manhã.

Sunday, June 29, 2008

A crise dos 30

Acho que na maior parte das pessoas existe a ideia de que os 20 são para queimar. “Temos tempo”, pensam as gentes de 20, 20 e pouco. E acham que aos 30, essa data longínqua, a sua vida vai estar resolvida. E o que é mais fantástico: sem terem de fazer grande coisa. Ela vai resolver-se por si própria, pura e simplesmente. Chega-se lá e a vida está resolvida. Pronto. Não há mais nada a saber.

E é esta monstruosa parvoíce, de certas ingénuas e pequenas cabeças de vintes, que gera mais tarde a dita crise dos 30. Como é óbvio, porque afinal pode dar-se o caso de ao chegar lá ainda estar tudo por resolver. E é aí que a coisa começa a dar para o torto. Porque até aos 26 está tudo bem, ainda é idade Cartão Jovem, é sempre a andar. Mas chega-se ali aos 27 e começa o nervoso miudinho. Os 30 já não estão assim tão longe e começa-se com uma leve desconfiança de que afinal as coisas podem não estar resolvidas aos 30. “Ai, ai, ai, que eu não sei o que é que quero fazer da vida. E isto ao amor não está a funcionar assim muito bem.” Ou então “Isto ao trabalho não está a funcionar como eu queria.” Ou então pergunta-se “Por que é que o mundo há-de reduzir-se a esta dicotomia estúpida?” Mas por esta altura, os ditos 27, há apenas uma leve desconfiança que aos 30 a vida pode não estar como queremos. O ser humano, na sua grotesca estupidez, acha que ainda não há grande motivo para alarme. Nem é preciso acelerar o passo. “Eh. Ainda temos tempo.” Apenas fica como uma referência mental, por causa das coisas, do estilo “a tomar nota” ou “a ver”, como a classificação dos filmes que os críticos adoram mas têm medo de assumir.

Chega-se aos 28 e se as coisas estão na mesma: “Espera aí, isto está tudo na mesma. Tu queres ver...” E acelera-se um pouco o passo. Mas ainda não é caso para estugar o passo. Ainda não se estuga. E é então que soa o gongo para a última volta, os 29, e o pânico instala-se. “C’um caraças. Isto vai mesmo dar para o torto.” E então, qual estugar qual quê, corre-se, sua-se, estrebucha-se e estrafega-se quem for preciso. É o tudo por tudo. E se os 30 chegam sem um pouco de serenidade “ai, ai, ai, que me vai dar um treco, um fanico ou uma coisa má”. É uma questão de escolher a expressão mais foleira.

Muitas pessoas chegam a esta idade meio perdidas, não sabem aquilo que querem. Por isso, esta é uma época de balanço e de decisões. Em que muita gente faz finalmente aquilo que devia ter feito aos 20 e pensa “Mas o que é que eu quero da vida?” Pergunta sensata. “O que é que é esta merda?” A pergunta certa.

E por isso os 30 são tão complicados. Há choros, convulsões, desespero, separações, divórcios, desilusões, desencantamentos, baldes de água fria, murros no estômago, murros nas partes baixas, murros por todo o lado, ataques de pânico e demais expressões palermas que simbolizam tudo aquilo por que se passa nesta fase. E pior do que tudo, há uma sensação de solidão. Logo nesta altura em que a gente tanto precisa, há uma consciencialização (peço desculpa se ultrapassei o comprimento legal por palavra – consciencialização = 18 letras) de que estamos entregues a nós próprios. Mais do que nunca, há a percepção de que o nosso futuro afinal só depende de nós. Brilhante conclusão. Logo, é preciso agir. Eis uma coisa boa que vem com os 30. “Ah, então espera aí, afinal é preciso mexer o rabo. Hummm. Estou a perceber.” E isso é capaz de ser uma coisa interessante de perceber.

A minha conclusão é que a culpa disto tudo é do Cartão Jovem. Porque sim.