Wednesday, November 18, 2009

O que interessa é o presente

Diz-se que a memória é curta. E é verdade.

A prova disso é que no médico podemos estar a rogar pragas ao doutor por nos fazer esperar uma eternidade, e dizemos à recepcionista que vamos apresentar reclamação e ponderamos mesmo avançar com uma queixa para o tribunal europeu, mas assim que somos chamados esquecemos logo tudo. É uma alegria que nos invade o peito. É a nossa vez! É a nossa vez! E a recepcionista pergunta “não queria apresentar reclamação”. Ao que nós respondemos “ãh?”, com um sorriso de orelha a orelha. Só pensamos “é a minha vez, é a minha vez!” E já não ouvimos mais nada. Já não queremos saber de nada. É como se nos quiséssemos virar para o resto do pessoal na sala de espera e dizer, qual criança da primária “eu vou ser atendido e vocês nããão... nha nha nha nha, nha nha.” E depois apontando para as pessoas uma a uma: “Tu não vais ser atendida, tu não vais atendida. Eu vou ser atendido!” (dança e canta) “I can hear music, I can heeear muuusiiic” “Sr. Gustavo, o doutor chama.” “Ah, tá bem.” E quando chegamos à porta do consultório já somos todos sorrisos para o doutor. O doutor é o maior. Apetece encher de beijos o doutor. Ainda dizem que estamos acima dos outros animais. Somos uns cocker spaniels autênticos.

O mesmo se passa nos semáforos. O gajo da frente bem que pode demorar horas a arrancar no sinal verde, que a nossa opinião dele só está dependente de uma coisa: que a gente se safe. Se a gente se safar, nem que seja já com o sinal vermelho, todo o comportamento socialmente reprovável do indivíduo, como aspirar os tapetes do carro enquanto a gente espera que ele arranque e o insulta por todos os poros, é totalmente esquecido. Mas se a gente não se safar, ele é a maior besta do mundo e é por causa de pessoas como ele que o mundo está como está e isto assim não vai para a frente. É tudo uma cambada de egoístas e no tempo dos meus avós não era assim. É preciso fazer alguma coisa urgentemente.

É por isso que eu não acredito no comunismo. Por causa do semáforo. Porquê, não sei ao certo, mas algo me diz que há uma ligação extremamente directa semáforo-comunismo.

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